Pensei em dar o título deste post como "O sul é meu país e nada me faltará", mas achei que ia pegar mal. Tudo bem, já faz um tempo que estou longe de casa que diria que o sudeste é a porta do mundo. Na quinta-feira passada foi o último dia de cozinha brasileira. E o ciclo se fechou, comecei a fazer pato no tucupi e outras iguarias que para o brasileiro em média são, diria, exóticos. Mas igualmente exóticos como as comidas do sul, tal como marreco recheado e repolho roxo adocicado. Além disso fizemos matambre de porco, arroz carreteiro, cuque ou cuca, ostras à Florianópolis e finalmente barreado. Neste dia me senti em casa, lógico. O que realmente marcou foi o barreado, pois lembrei-me do tio Tramujas, que era a autoridade máxima do barreado na família. Ninguém, mas ninguém ousava fazer este prato cujo monopólio era dele, e era feito no carnaval. A temporada de férias começava e logo depois do natal iamos para Guaratuba, um balneário no litoral paranaense. Ao lado de Guaratuba, separado pelo canal da baía de mesmo nome ficava Caiobá, outro balneário. Lá uma parte da família passava as féiras de verão e íamos para lá umas três vezes durante a temporada. Mas o dia mais esperado era o segundo dia de carnaval, quando tinha a Caiobanda. No caminho para Caiobá passavamos sempre na panificadora e compravamos um pão caseiro na padaria Esmaniotto. Chegavamos de manhã, antes do almoço, e lá estavam todos os primos, primas, tios, tias, avôs e avós. Cerveja, caipirinha e uísque para os mais velhos. Refri para a garotada. E lá ficava impávida a panela de barro com o migau de farinha de mandioca, devidamente protegida e com a pressão suficiente para ficar a noite inteira no fogo e deixar desmanchando a carne. Chega o momento crucial, quando a panela é aberta. Em meio a rojões, gritaria e aplausos, é aberta a obra de arte criada pelo Tio Tramujas, de vigor invejável e disciplna militar louvável. Ele passa a faca no mingau e abre a ampa da panela. Aquele caldo saboroso com pedaços que alcatra com bacon e cominho veem a luz do dia e está pronto para ser a estrela do almoço. Farinha de mandioca e banana são os ingredientes que bastam. Nem vou falar que depois disso tinham sobremesas, geralmente geladas (pavê, sorvete etc e tal) e tal e no final da tarde um café com aquele pão caseiro.
Ao final de tudo, notei que as influências dos imigrantes estão se dissipando, e eu particularmente acho um pé no saco ouvir que isso é alemão ou polonês ou portugês ou italiano ou sei lá o que mais. Está mais do que na hora de percebermos que a não se come chucrute todos os dias na Alemanha nem se o café da manhã na Polônia é pepino azedo com hering defumado. Mesmo se fosse assim muita água já rolou por baixo dessa ponte e as receitas mudam ou se adaptam ao ponto de identificar como brasileiro o marreco recheado, o pierogui, o chucrute e todos os pratos de influência direta de imigrantes.
Este post é deliberatamente (ou não) sem fotos, achei justo fazer uma homenagem ao Tio Tramujas sem imagem alguma, assim deixo a vocês leitores, a imaginação e memória afetiva do que foi o barreado e a formação gastroafetiva.
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